Quem tem intimidade com o Centro Cultural Dona Antônia, sabe que o espaço é ocupado por sonhos. O próprio nome Dona Antônia é uma adaptação do trecho da música “Herbocinética” do grupo Raimundos, gravada no álbum “Lavou tá Novo” de 1995. Do verso “Certa vez disse véia Tonha, doido, "só cresce quem sonha", nasceu o “Dona Antônia, Só cresce quem sonha”, que acompanha não só a logo da nossa organização, mas alimenta cada ideia e objetivo aos quais nos propomos. O sonho é o habitante mais antigo e presente na Casa , e também fiel companheiro da família Martins, fundadorxs do Dona Antônia. Mas a ideia não se desenvolveu apenas com sonhos, muitas cabeças, mãos e corações tornaram realidade uma OSC com sua própria sede, assim como muita gente foi e é responsável por projetos que cuidam das pessoas e nos trouxeram vários meios de afetar positivamente a comunidade com arte e tecnologia, proporcionando caminhos para reparar injustiças sociais, raciais e de gênero. O Dona Antônia atua na região norte de Betim, mas seus bons feitos se estendem a muitos bairros da cidade, beneficiando famílias em situação de vulnerabilidade e a quem só precisa de um pequeno incentivo para voltar a sonhar.
Recentemente acessei uma HQ que conta a saga de Sandman, o senhor dos sonhos, e uma das suas inúmeras histórias traz uma reflexão que se identifica com a mensagem que transmitimos na nossa Casa. A série de quadrinhos foi escrita por Neil Gaiman e ilustrada por Kelley Jones, lançada na década de 90 pela Vertigo e atualmente se tornou uma produção da Netflix. Nesse conto em particular, um gatinho filhote é convidado por outros a ir a um cemitério ouvir a profecia de uma gata andarilha, que está na cidade para pregar a sua palavra. Ela começa contando que já teve casa, comida, afeto, e acreditava que a vida era boa. Um dia, ela conheceu um gato e teve filhotes com ele. No entanto, os humanos jogaram seus bichanos na água, em segredo. Acontece que a mãe gata sentiu todo o sofrimento que os filhotes passavam enquanto morriam. A gata então percebe que os animais não são livres e começa a questionar a relação estabelecida entre homens e gatos. Então ela adormece em busca de respostas, justiça, e sabedoria. Durante o sono a gatinha desperta no reino do Sonhar e após uma breve jornada tem um encontro com Morpheus , o senhor dos sonhos em forma de gato, que mostra à sonhadora uma história através dos olhos dele. O Lord Moldador conta que já houve um tempo em que humanxs serviam á raça felina, os gatos eram grandes e os homens pequenos e que os últimos eram subordinados aos primeiros. Um certo dia, um humano de pêlos dourados teve um sonho em que a raça humana dominava todas as espécies, a partir daí convenceu a humanidade de que, se todos sonhassem que eram grandes, capazes e que o mundo lhes pertencia, isso se tornaria realidade. Depois de algum tempo muitxs humanxs sonham na mesma noite que são donos do mundo e então o sonho se concretiza, passando os outros animais a pertencerem e servirem á raça humana, os homens ficaram gigantes, criaram máquinas e usavam a natureza a seu bel prazer. Eles não só inverteram a opressão, mas criaram um universo onde a humanidade sempre foi a espécie dominante, reescreveram a história de forma que toda a terra foi dada ao homem para que nela reinasse e apagaram da memória do tempo a Era em que os gatos eram senhores dos humanos. Ao final da narrativa, a missão da gata passa a ser unicamente convencer mil gatos a terem o mesmo sonho, o de dominar os humanos. E desde então ela sai pelo mundo pregando esse ideal.
Sonhar está entre os muitos mistérios da humanidade. Há estudos que afirmam que os sonhos são um aspecto do inconsciente, que eles expressam assuntos que não estão visíveis na nossa mente, traumas, complexos, desejos, etc. Outras teorias dizem que os sonhos são uma versão distorcida da realidade, das nossas memórias diárias ou dos nossos anseios, ou uma forma da nossa mente organizar as experiências cotidianas. Há ainda quem defenda que os sonhos podem ser premonições ou mensagens dos deuses e deusas diversos que habitam o universo das nossas crenças. Mas há algo comum em todas as afirmações: todxs humanxs sonham, algumas vezes nos lembramos, outras não. Mas é inerente ao cérebro o sonhar e, sendo assim, nós humanxs, passamos a buscar a interpretação dos nossos sonhos a fim de decifrar seus significados.
Essa história traz diferentes elementos sobre o reino dos sonhos, algumas vezes acessamos mundos fantásticos, impossíveis dentro da nossa realidade, mas que deixam na nossa consciência a possibilidade de que algo novo surja. Seja a partir da criatividade, de um universo de fantasias ou da oportunidade de tocar o impossível, muitas coisas incríveis nascem dos sonhos. O Sonho de Mil Gatos nos fala do desejo de mudar a realidade coletiva, da capacidade que todxs temos de acreditar e fazer a diferença em um sistema que se apresenta pré-estabelecido, e o mais importante: quando muitxs têm o mesmo sonho ele se torna real.
Mas a fábula também aponta que é preciso movimento para mudar as coisas. Seja acreditando nos seus sonhos ou fazendo sua parte para que o todo seja transformado.
Estamos no mesmo barco e compartimos o mesmo mundo, alguns mais e a maioria menos. Contudo, realizamos ações consideráveis quando nos unimos ao redor de um objetivo comum. Como mente coletiva partilhamos crenças, leis, tabus, referências, medos, arquétipos e esperança. Mas apenas quando nos unimos durante o caminho, alcançamos lugares novos, com a possibilidade de uma sociedade que permita viver e deixar viver. Nesse momento, grande parte da população sonha com um mundo onde a justiça social alcance a todxs e onde a desigualdade seja substituída pela diversidade dando condições para nos desenvolvermos e seguirmos nossos sonhos livremente. Esse é um ideal que perpassa por encontrar harmonia entre as múltiplas partes que compõem a terra. Para além de discursos e sonhos, é necessário que se dê passos para transformar nosso modo de viver, derrubar limites impostos e comportamentos estabelecidos. É urgente que haja uma ação sincera acompanhando a intenção de cada pessoa que se importa com o bem estar de tudo e todxs nesse planeta.
Enfim, o que Neil Gaiman escreveu e o que o Dona Antônia acredita, é que o coletivo pode tornar sonhos possíveis. E que #SòCresceQuemSonha# porque toda a vida é um sonho onde observadorxs são também participantes , agentes capazes de alterar ou realizar o que desejam para si ou para o mundo, o limite é a mente, e ela, por natureza, é suscetível á nossa imaginação.
Compartilhe nos comentários qual é o seu sonho para o mundo e vamos sonhar juntxs, porque acreditamos que #AquiCabeTodoMundo.
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