Análise : Art. 30 x Art. 2º da Lei Complementar 187/2021 (CEBAS)
- Casa Cultural Dona Antonia

- 27 de nov.
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E a importância dos negócios sociais na sustentabilidade das OSCs
A Lei Complementar 187/2021 promoveu uma das atualizações mais relevantes do regime jurídico das entidades beneficentes no Brasil. Entre os dispositivos centrais para a interpretação do alcance e dos limites da atuação econômica dessas organizações, destacam-se o artigo 2º — que define o conceito de entidade beneficente — e o artigo 30, que disciplina a possibilidade de receitas provenientes de atividades não gratuitas.
1. A leitura conjunta dos dispositivos: amplitude, finalidade e sustentabilidade
Art. 2º — Essência da entidade beneficente
O art. 2º define que uma entidade beneficente é aquela sem fins lucrativos, que aplica integralmente seus recursos na manutenção e no desenvolvimento dos objetivos institucionais, atuando nas áreas de educação, saúde ou assistência social.
Esse dispositivo reafirma que a finalidade é institucional, não mercantil, mas não impede que a entidade desenvolva atividades econômicas. A restrição é ao destino do resultado, e não à geração dele.
Art. 30 — Atividades econômicas e cobrança por serviços
O art. 30 rompe uma visão ultrapassada que associava gratuidade absoluta à natureza beneficente. Ele autoriza expressamente a entidade a:
Cobrar pelos serviços prestados, desde que mantenha o percentual mínimo de gratuidade exigido pela lei;
Desenvolver atividades acessórias ou complementares, inclusive de natureza econômica, com receitas destinadas exclusivamente à finalidade institucional.
Assim, a LC 187/2021 moderniza o regime do CEBAS ao reconhecer que sustentabilidade econômica é parte da sustentabilidade social.
Assim, a LC 187/2021 moderniza o regime do CEBAS ao reconhecer que sustentabilidade econômica é parte da sustentabilidade social.
2. A lógica contemporânea do terceiro setor: missão com geração de receita
A leitura sistêmica dos dois artigos revela um ponto essencial:
Negócios sociais e atividades econômicas não ameaçam a certificação — pelo contrário, podem fortalecê-la, desde que o resultado seja integralmente reinvestido na missão.
O Estado reconhece que depender exclusivamente de recursos públicos, doações e editais não é compatível com a realidade das OSCs no século XXI.A LC 187/2021 corrige essa lacuna ao abrir espaço para modelos híbridos: organizações com finalidade pública, mas com mecanismos próprios de sustentação.
3. Importância dos negócios sociais (social business) para OSCs com CEBAS
a) Sustentabilidade financeira e estabilidade institucional
A legislação permite que OSCs criem negócios sociais para evitar interrupções ou oscilações de atendimento. Essa previsibilidade é essencial para entidades que oferecem serviços continuados, como educação complementar, ações socioassistenciais, programas de cultura, entre outros.
b) Redução da dependência de repasses públicos
Como o art. 30 autoriza geração de receitas próprias, a OSC passa a ter autonomia. Isso reduz a vulnerabilidade a mudanças políticas, atrasos de repasses ou cortes orçamentários — todos comuns na relação com o poder público.
c) Inovação social e profissionalização
Negócios sociais estimulam:
Planejamento estratégico,
Governança,
Gestão financeira,
Métricas de impacto.
Tudo isso é compatível e desejável dentro do regime do CEBAS, que exige transparência e eficiência.
d) Manutenção da gratuidade legal
O ponto crucial é que a OSC continue a cumprir os percentuais mínimos de gratuidade previstos no CEBAS.
A receita gerada pelas atividades econômicas auxilia justamente na manutenção desses percentuais, reforçando o atendimento gratuito à população em vulnerabilidade.
e) Alinhamento com o espírito da lei
A LC 187/2021 não busca punir OSCs que inovam, empreendem ou criam soluções sustentáveis. Ao contrário, ela:
Incentiva a diversidade de fontes de receita;
Protege o caráter institucional;
Permite que o resultado financeiro seja um meio, e não um fim.
4. Conclusão
A interpretação combinada do art. 2º e do art. 30 deixa claro que:
O modelo de entidade beneficente no Brasil não exclui, nem desestimula, a existência de negócios sociais. Ele apenas exige que toda atividade econômica seja um instrumento de fortalecimento da missão social.
Essa leitura moderna, alinhada às melhores práticas internacionais, reconhece que:
Instituições sólidas precisam de receitas diversificadas;
Sustentabilidade financeira é condição para sustentabilidade social;
Negócios sociais são ferramentas legítimas, legais e estratégicas dentro do regime do CEBAS.
Portanto, uma OSC que desenvolve negócios sociais — como lojas, confecções, cursos pagos, serviços remunerados ou qualquer atividade econômica lícita — não corre risco de perder a certificação, desde que cumpra as regras do art. 30 e mantenha sua finalidade pública prevista no art. 2º.
O CEBAS evoluiu.
Logo, as OSCs também precisam evoluir — e os negócios sociais são uma parte indispensável desse caminho.
Sérgio Martins
Músico, Advogado CEO da Casa Cultural Dona Antônia.





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